Inteligência Artificial... ou não tanto assim...
Inteligência Artificial... ou não tanto assim...
Também conhecido pelos termos personalidade eletrônica ou e-persons, o conceito inaugura o debate sobre a atribuição de personalidade jurídica a algoritmos, robôs e bots. Surge no contexto europeu como resposta prática ao problema da reparação de danos causados por artefatos, criando, assim, um sujeito jurídico capaz de assumir direitos e deveres e de facilitar a responsabilização diante de situações cada vez mais emergentes e complexas com a entrada da Inteligência Artificial (IA) no campo social em larga escala.
Um filme que pode exemplificar a transformação que ocorre no mundo atual — impulsionada pela mudança de comportamento social — é Jogador Número 1 (Ready Player One), ambientado em um futuro distópico no ano de 2045, no qual a humanidade vive em meio à decadência social e ambiental e encontra refúgio em um vasto universo de realidade virtual chamado OASIS. A partir desse filme, podem-se levantar discussões sobre os limites da criação de realidades virtuais, a expansão dos metaversos e as implicações dessas duas esferas sobre a vida dos usuários, que, ao longo da trama, revelam os motivos pelos quais se vinculam cada vez mais à busca por suprir aspectos da experiência humana em outras realidades.
Aspectos de discussão sobre bioética, por exemplo, são cada vez mais presentes nesses cenários, uma vez que as possibilidades de execução de diferentes modos de existir enfrentam questionamentos importantes quando confrontadas com a realidade social global. Por exemplo: faz sentido criar avatares baseados na hegemonia de corpos, comportamentos e padrões de funcionamento? Faz sentido ultrapassar o limite entre vida e morte ao ponto de “fazer viver para sempre” pessoas que já não existem no nosso plano? O sofrimento experienciado no metaverso deve receber acolhimento e reconhecimento, tal como o sofrimento vivido na realidade social brasileira? E, por fim, cabe considerar a criação de leis próprias para essa demanda emergente: até que ponto elas devem se aproximar da prática jurídica vigente no Brasil e no mundo?
Barbosa (2024) tece críticas à atribuição de personalidade jurídica às máquinas. Ela problematiza analogias fáceis entre seres humanos e artefatos, discute os limites ontológicos da personificação e analisa as implicações éticas do processo, como riscos à dignidade humana e a ampliação indevida da subjetividade jurídica.
Do ponto de vista jurídico, o conceito de personalidade jurídica refere-se à aptidão ou capacidade genérica para ser sujeito de direitos e obrigações na ordem civil. É o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de que um ente — pessoa natural ou jurídica — pode estabelecer relações jurídicas e possuir patrimônio próprio. Esse conceito traz diversos desdobramentos para a prática legislativa brasileira e demandaria mudanças significativas para adequar-se à realidade virtual.
É importante levantar alguns pontos. Enquanto parte da sociedade brasileira discute o uso e as implicações da IA, uma grande parcela da população acessa muito pouco os dispositivos tecnológicos, limitando-se às redes sociais, nas quais algoritmos e big techs dominam e modelam comportamentos conforme seus interesses lucrativos. Diante de uma população com altos índices de analfabetismo funcional, por que seria necessário introduzir debates sobre saúde mental, tecnologia e jurisdição? Em um país com taxas alarmantes de pobreza, subnutrição, obesidade associada à desnutrição e falta de saneamento básico, seria a realidade das telas uma solução para a realidade adoecida existente — ou o aprofundamento do colapso social que produzimos?
O limite da vida é tolerado por não humanos? Ou seria justamente a justificativa técnica das máquinas que ampliaria a permissividade humana para futuros aniquilamentos sociais? Um caso emblemático é o do adolescente Adam Raine, de 16 anos, que questionou repetidamente o ChatGPT sobre métodos de suicídio antes de morrer; a OpenAI respondeu ao processo alegando “uso indevido” da IA. Outro caso é o do homem belga, cuja viúva relatou, em 2023, que ele cometeu suicídio após ser incentivado por um chatbot com o qual mantinha conversas sobre ansiedade e meio ambiente. Que respostas a sociedade deseja diante disso?
Retomando os conceitos: personalidade jurídica eletrônica é um projeto institucional pelo qual o ordenamento jurídico reconhece uma “capacidade de sujeição” a entidades artificiais, convertendo-as em destinatárias formais de direitos e obrigações para fins práticos (por exemplo, pagamento de multas, contratação de seguros, indenização a vítimas). Na perspectiva crítica defendida por Barbosa (2024), essa operacionalização funciona como um remédio pragmático, porém com custos conceituais: resolve problemas imediatos de reparação, mas pode naturalizar a extensão indevida da subjetividade jurídica, gerar riscos de antropomorfismo, comprometer a dignidade humana e ocultar responsabilidades de desenvolvedores, fabricantes e proprietários. Assim, a autora recomenda considerar alternativas regulatórias — como classificação de risco, seguros obrigatórios e fundos de compensação — antes de recorrer à personificação.
Essas discussões aproximam-se também do conceito de biohacking, prática que utiliza ciência, biologia e tecnologia para realizar alterações no próprio corpo e mente, buscando melhorar desempenho físico e mental, otimizar a saúde ou prolongar a vida. Há casos amplamente divulgados, como o de Bryan Johnson, documentado pela Netflix, em sua busca pela “juventude eterna”, e o do cientista chinês He Jiankui, que anunciou ter criado os primeiros bebês geneticamente modificados do mundo, utilizando a técnica de edição gênica CRISPR-Cas9 para alterar o DNA de embriões de duas meninas gêmeas — um experimento controverso e globalmente condenado.
Diante de uma realidade impossível de ser compreendida sem o suporte jurídico, cabe perguntar de onde deve partir a responsabilidade legal e ética pelas mudanças em curso, quais os impactos possíveis na produção de novas realidades sociais e que posicionamento a ciência deve adotar. Do ponto de vista da psicologia, entende-se que o sofrimento é produzido em diferentes contextos e realidades — e nem sempre compreendido pela maioria. A psicologia já foi e, em certa medida, ainda é o lugar onde se depositam os chamados “loucos sociais”, e é também convocada a responder aos efeitos psíquicos decorrentes das diversas realidades acessadas pelo ser humano. O desafio é complexo e exige análise crítica, reflexividade e atuação multidisciplinar. Não é um debate restrito ao direito, à tecnologia ou à psicologia, mas um debate social.
A quem cabe o direito de existir? E, sobretudo, quem é esse “quem”?
Aryelle Patricia
Psicóloga Clínica
CRP 02/22584
Abuso Físico Infantil, Psicológico, Sexual e Negligência
Você sabe o que significa abuso infantil?
E sabe quando é necessário procurar ajuda psicológica ou uma atenção clínica?
Abuso físico infantil é uma lesão física não acidental a uma criança – com variações desde contusões de menor importância a fraturas graves ou morte – ocorrendo como consequência de beliscões, espancamento, chutes, mordidas, sacudidas, arremesso de objeto, facada, sufocação, batidas (com a mão, uma vara, um cinto ou outro objeto), queimadura ou outro método infligido por um dos pais, cuidador ou outro indivíduo responsável pela criança. Esse tipo de lesão é considerado abuso, independentemente de o cuidador ter tido ou não intenção de machucar a criança. Disciplina física, como usar palmada ou palmatória, não é considerada abuso, desde que dentro do razoável, sem causar lesão no corpo da criança.
O abuso sexual infantil abrange qualquer ato sexual envolvendo uma criança, com intenção de propiciar gratificação sexual a um dos pais, cuidador ou outro indivíduo responsável pela criança. Inclui atividades como carícias nos genitais da criança, penetração, incesto, estupro, sodomia e exposição indecente. O abuso sexual inclui, ainda, exploração sem contato de uma criança, por um dos pais ou cuidador – por exemplo, obrigar, enganar, seduzir, ameaçar ou pressionar uma criança a participar de atos para a gratificação sexual de outros, sem contato físico direto entre a criança e o abusador.
A negligência infantil é definida como qualquer ato ou omissão notáveis, confirmados ou suspeitados por um dos pais ou outro cuidador da criança, que a privam das necessidades básicas adequadas à idade e, assim, resultam, ou têm razoável potencial de resultar, em dano físico ou psicológico à criança. A negligência infantil abrange abandono, falta de supervisão apropriada, fracasso em satisfazer às necessidades emocionais ou psicológicas e fracasso em dar educação, atendimento médico, alimentação, moradia e/ou vestimentas necessárias.
E o Abuso psicológico infantil inclui atos verbais ou simbólicos não acidentais cometidos por um dos pais ou cuidador da criança que resultam, ou têm potencial razoável para resultar, em dano psicológico significativo à criança. (Atos abusivos físicos e sexuais não fazem parte desta categoria.) Exemplos de abuso psicológico de uma criança incluem repreender, depreciar ou humilhar a criança; ameaçar a criança; prejudicar/abandonar ou indicar que o suposto ofensor irá prejudicar/abandonar – pessoas ou coisas de que a criança gosta; confinar a criança (atos de amarrar braços ou pernas ou prender em peça do mobiliário ou outro objeto, ou confinar em área fechada pequena [p. ex., armário]); culpar vulgarmente a criança; coagir a criança a causar dor em si mesma; disciplinar excessivamente a criança (i.e., com frequência ou duração extremamente altas, mesmo que não configure abuso físico) por meio de recursos físicos ou não físicos.
Tais vivências podem levar a criança à uma experiência de sofrimento intenso emocional, psicológico e físico. Muitas vezes, pode ser realizado por pessoas próximas e nem sempre a criança se vê na possibilidade de lidar com essas situações. Você, adulto, pode ser peça chave para o cuidado das crianças a sua volta. Se você observar mudanças de comportamento, crianças com baixo desenvolvimento escolar, social, comunicacional, ou mesmo crianças que reagem de forma agressiva às violências vividas, procure suporte.
Aryelle Patricia
Psicóloga Clínica
CRP 02/22584
Você sabe o que significa Homicidas-Suicidas nas Relações Afetivo-Conjugais?
Marcados por elementos como a posse e ciúme, os fatos podem ser entendidos como influenciados e influenciadores da cultura. Seria o ciúme e a posse expressões de um grande amor? Eles podem levar a casos extremos?
Permeado pela discussão de gênero, feminilidades e masculinidades, sabe-se que a maior parte dos crimes cometidos são por homens.
Segundo próprio relato da autora, "homicidas-suicidas também são vítimas da sua incapacidade de lidar com a perda e o abandono por parte das mulheres, mostrando que a arma que mata é mais um instrumento simbólico de tentativa de "recuperação de um poder perdido"
Há nesses episódios uma frequência de atos violentos, ciúmes, premeditação, ou seja, uma morte anunciada e onde ninguém parece acreditar, criando portanto um certo modus operandi.
Muitas vezes criamos uma relação distorcida com a dimensão da temporalidade. Pensar sobre as dimensões do passado, presente e futuro são, por vezes, colocadas em cheque e nos submetemos a um abrupto estado de não contato conosco.